sábado, 30 de abril de 2011

7 - Da Itália ao Brasil - "A VIAGEM"


A VIAGEM...


Milhares de famílias saíam de suas casas, talvez as vendendo, ou mesmo abandonando-as. Viajando em trens, carroças e até mesmo a pé, carregando todos os seus pertences, percorriam grandes distâncias até os portos para embarque (Nápoles e Gênova).
Com poucas informações sobre o Brasil, ou talvez, informações de que era uma terra promissora, mas selvagem, os emigrantes precaviam-se trazendo toda sorte de bagagens: utensílios domésticos, máquinas de costura, instrumentos musicais e de trabalho, relíquias de família e objetos que lembrassem sua terra natal.


Geralmente não possuíam malas, e seus pertences eram transportados em sacos, sacolas e caixas improvisadas. Os recursos para a passagem algumas vezes eram próprios, mas na maioria das vezes, subsidiados pelo Governo da Província de São Paulo.

Eram embarcados na terceira classe, geralmente localizados nos porões dos navios, e com lotação acima da capacidade. No final do século 19 as viagens já eram feitos em vapores, mais rápidos que os navios à vela, porém com péssimas instalações, pois geralmente eram navios de carga adaptados para o transporte de passageiros.

A travessia do Atlântico era realizada em 15 a 30 dias. Uma descrição minuciosa e bastante precisa pode se encontrada no relato de Andréa Pozzobon. O autor nasceu e cresceu no Vêneto. Foi soldado do exército nesta mesma região.

Relato de Andréa Pozzobon


O texto abaixo foi extraído do livro "Uma odisséia na América", de Zolá Franco Pozzobon, publicado pela Editora da Universidade de Caxias do Sul, 1997.

A mania de emigrar ao exterior começou na Itália em 1870. Emigrava-se para a América, Prússia, Suíça, França, etc. A emigração para outros países europeus era temporária e, quando muito, durava uma estação.

Por volta de 1875, começou a emigração para além-mar: Argentina, Uruguai, Brasil, etc. Muitos solteiros ousavam abandonar a pátria em busca de oportunidade. A que detinha a primazia sobre todos os países de além-mar era a República Argentina, classificada por seus agentes como um éden de delícias e riquezas.

O Brasil era então chamado de o grande cemitério de europeus que ousassem nele pôr os pés. Agentes pagos pelos plantadores argentinos mostravam o Brasil como o matadouro da raça humana, especialmente a européia.

Entretanto, choviam chamadas e mais chamadas enfeitadas de um bem-estar indescritível: a grande extensão de terra fertilíssima que o governo dava aos emigrantes, a promessa de não pagarem impostos, respeito e todo o bem de Deus estavam ao alcance de todos.

Enfim, a ilusão de enriquecer tinha obcecado aquela pobre gente; tanto é verdade que se negligenciava o trabalho cotidiano, perdendo-se muitos pelas bodegas a discorrer e a fantasiar sobre o futuro, isto é, quando estivessem desfrutando as vastas possessões no Brasil e na Argentina, escarnecendo dos antigos sugadores de seu sangue e de seus patrões.

O outono é tempo da vindima e da colheita do milho e procurava-se antecipá-las para poder, quando antes, partir para aquelas ignotas e desconhecidas terras.

As senhoras, de maneira especial, freqüentavam os mercados para fazerem provisão de lingerie, vestidos, sapatos, chapéus, etc., e os homens, a venderem as ferramentas por preços irrisórios, para apressarem a partida para a América.

No outono, tempo de colheita, como disse acima, todos os gêneros, sem exceção, são pagos vilmente; aguardando algum tempo poderiam duplicar o ganho. Mas não: era preciso partir quanto antes; a pátria parecia uma prisão, veremos oportunamente.

Esbanjando tudo o que era vendível, negociada a modesta casinha quem tinha a fortuna de tê-la, o campinho ou um pouco mais de terra, o feno do depósito, os poucos animais, a lenha e outras miudezas, aguardavam ansiosamente o aviso para a partida...

Chegou o momento de vender os poucos pertences que a família Pozzobon possuía debaixo do sol. Para encurtar a história, direi que tudo foi torrado por preço verdadeiramente irrisório... Lançando fora o que juntáramos com tanto sacrifício, ficamos aguardando das autoridades o aviso de partida para a América...

As autoridades aconselhavam a permanecerem. Alguns parentes mais chegados desaconselhavam a partida. Eram inúteis, porém, as exortações, conselhos e lágrimas dos que faziam de tudo para que lá permanecessem.

Obstinados em sua determinação, não faziam caso de quem se preocupasse pelo seu bem. Que tristeza ver aquela mísera gente em tais momentos de angústia! Um vaivém de parentes e amigos quando contínuas visitas a eles.

O pároco local aconselhava a cada família portar uma garrafinha de água benta para que se servissem quando chegassem as suas novas moradas. As crianças eram conduzidas ao bispo para serem crismadas, porque, sabe Deus, que religião haverá naqueles países!

Na manhã que precedia a partida, cantava-se missa na igreja paroquial, pedindo ao Doador de todo o bem que os emigrantes fizessem feliz viagem.

Eram degoladas as últimas galinhas para o banquete do adeus, onde os parentes e amigos compareciam para prestar homenagem aos que partiam e dar-lhes coragem para a longa viagem que deveria empreender.

Todos alegres em torno da mesa. Os que emigram simulam uma aparência de contentamento, mas seu coração se corrói de grande e inenarrável desgosto.

Simula-se denotar um pouco de alegria de uma a outra parte, excitada pela libação de um copo de vinho. Canta-se alguma canção de adeus à Pátria, mas o coração chora sem parar. Vem a noite, mas não se dorme; apenas giro vagando de casa em casa e terminando de despedir-se de todos com um tremendo e trêmulo até a vista no outro mundo.

Ao amanhecer, deve-se partir; os cavalos são atrelados às viaturas para conduzir os viajantes à estação mais próxima. Subitamente cessam os cantos de alegria, e soluços, lágrimas, desmaios, tomam o seu lugar. Por que isso acontece? Todos podem imaginar.

Abandonar a Pátria não é coisa que se faça com hilaridade. Naquele momento, os moços e moças sofrem de indizível tristeza. Partem para outras terras; deixam na terra natal o ídolo de seu pensamento, sem qualquer esperança de revê-lo.  
 No país para onde emigram não sabem o que será deles. Pensam: o primeiro amor é ouro para o coração amante; por isso, dissipa-se toda a esperança de felicidade. Os prantos continuam, porém é imperioso partir. Se naquele momento tivessem podido voltar às suas casas e retirar o pouco dinheiro depositado para pagar a viagem, a maior parte teria retornado às suas moradas...



A viagem foi marcada para 22 de outubro de 1885. Saíram três e meia da tarde. Viajaram de trem, passando por Castelfranco, fazendo uma parada em Vicenza, aonde chegaram às sete da noite. Dali o trem partiu para Verona, aonde chegou meia-noite, atingindo Bréscia ao amanhecer. Às cinco da tarde o trem entrou em Milão. Pernoitaram ali, sem dinheiro para pagar hotéis, pagaram algumas liras somente pelo teto.
Chegou a Gênova ao meio-dia.

Eis a máquina resfolegante a entrar na estação. Que momento horrível para os que partem e para os que ficam! Abraços, lágrimas que se misturam com beijos e alguma palavra ao ouvido - não esqueça de mim.

Que momentos aqueles! Cada um que tem coração de carne e não de chumbo desejaria, naquele instante, ser pintor para poder, com o pincel, fixar cena tão comovente, tão digna de ser esculpida na mente de todo o ser amante do belo, amante do amor humano e social.

Soa o apito ensurdecedor da locomotiva; é preciso partir, encafurnar-se nos vagões, mesmo chorando! Os que ficam enxugam as últimas lágrimas, os que partem continuam a soluçar.

O trem passa vertiginosamente próximo à igreja paroquial, de cujas janelas se vê a luz bruxuleante da lamparina que, como sentinela religiosa, arde diante do tabernáculo, onde são guardadas as espécies eucarísticas. Que aperto de coração! Lá naquele sagrado templo foram batizados, crismados, casados, ouvidas tantas missas, assistidas inúmeras funções religiosas, ouvidos sermões, missões, etc.


Nunca mais se poderá rever aquele sacro recinto! Mais adiante aparecem os brancos muros do cemitério. Lá repousam seus antepassados, os avós que não tiveram a ventura de conhecer; talvez o marido, a esposa, irmãos, irmãs. Dão-lhes aos prantos os últimos adeuses, dizendo: repousai em paz!

Os trens, naquele tempo, também na Itália corriam a passo de lesma e precisavam de quase um dia para chegar a Gênova, porto de embarque. A cada momento, passa-se por alguma vila ou cidade conhecida, às quais se dá adeus com dor no coração.

É preciso pernoitar em Milão. Lá, a maioria das crianças quer voltar para casa, encontrar a vovó e tomar mamadeira. Que dor para as pobres mães! E trata-se da primeira noite. O que será no futuro? A bela e rica capital lombarda, em tal circunstância, nada tem de atraente, nem mesmo o colossal e artístico Duomo é digno de observações, e a maravilhosa galeria Vittorio Emanuele II não é alvo de qualquer admiração.

Os homens passam a noite bebendo nas tavernas e as mulheres com as crianças no salão da hospedaria, aguardando a partida para Gênova.

Finalmente chega o momento de deixar Milão a caminho de Gênova. Aí chegando, vê-se que não faltam na estação agentes de hotel, tratorias, albergues e sei eu o que mais!
O camponês das províncias vênetas cai das nuvens com tanto tumulto. Ele tinha visto, até então, a ponto do campanário de sua paróquia ou meia dúzia de povoados vizinhos e nada mais!

Os pobres diabos deixavam-se enredar com promessa de conseguir por quase nada alimento e hospedagem, para se deixarem depenar em seguida por tão forte motivo. Assim era em Gênova... Hoje as coisas mudaram e o governo providenciou para acabar com os prejuízos que tantas mulheres causavam aos pobres emigrantes, quase os exaurindo de seu mais que modesto pecúlio.


Gênova, a soberba, assim chamada por suas riquezas e pelo temperamento de seus habitantes, não é lugar adequado ao emigrante campesino do Vêneto. Ele, acostumado ao silêncio e tranqüilidade da campanha, não consegue habituar-se ao estrépito contínuo e endemoniado de uma cidade como aquela, onde todos correm abaladamente.

Grande quantidade de veículos, apitos contínuos de vapores chegando ou partindo, gritos de carregadores e de vendedores ambulantes fazem daqueles míseros emigrantes um bando de gente atônito, atordoado e como que endoidecida.

Contudo, Gênova não era o lugar onde deviam parar. Das colinas que sobranceavam a Soberba, via-se aquela tigelona de água que se chama mar, o qual devia servir-lhes de estrada para chegarem à América, em busca da oportunidade que não tinham encontrado na Pátria.

Os agentes de emigração que já tinham espremido as bolsas de seus clientes pouco se importam com eles. Assim, desejam que o vapor demore a chegar, para procederem ao carregamento e, desse modo, poderem mais uma vez aproveitar de sua ingenuidade e tornar a espoliá-los.

O descontentamento está estampado na face de todos os que partem, especialmente das mulheres e das crianças que se lamentam continuamente, não sem razão, das privações às quais são forçadas.

É um vai e vem contínuo pelas agências, em busca de informações sobre quando partirá o vapor que os há de conduzir a outras terras e só se recebem respostas evasivas, não dignas de crédito. Eis o que passam em Gênova os pobres emigrantes que pretendem mudar de país. Coitados! Só em pensar, um homem de bem fica arrepiado. Finalmente, após dias de espera, chega o aviso de embarcar...

No dia 25 retiraram a bagagem que havia sido depositada na estação e a transferiram para o vapor. Embarque 26/10/1885.


O pé-de-meia que se guardava no alforje, como o sagrado viático, para pequenas despesas na chegada ao lugar de destino, havia-se liquefeito como neve ao sol: era necessário viver, pagar a hospedagem, gorjetas aqui, ali e acolá aos pouco honestos especuladores, os quais se aproveitavam da ingenuidade dos míseros entes que agora começarei a chamar de colonos, embora no momento ainda não o sejam.

Com muita má vontade, encaminham-se ao porto, onde um navio de longo curso os está esperando para transportá-los a remotos lugares. Algum bondoso senhor sente piedade ao ver tantos jovens robustos, de braços hercúleos, esperança da Pátria, abandonarem o país e levarem seus suores para banharem as terras incultas d'além mar, não sabendo a sorte que lhes será reservada.
"A maioria das crianças quer voltar para casa, encontrar a vovó e tomar mamadeira"

As bagagens já foram carregadas. Uma hora antes de levantar âncora, um apito ensurdecedor dá o sinal de partida, avisando os retardatários a que se apressem para embarcar. A escada é baixada; ainda que todos aguardem com ânsia acabar de uma vez com tão enfadonha espera, ninguém quer ser o primeiro a entrar, como se o vapor fosse uma jaula de ursos.

Finalmente vai e não vai, entram a muito custo e com extraordinária má vontade. Se pudesse retornas a sua casa teria sido muito diferente. Mas a sorte já está lançada; é preciso acomodar-se.
Quantas mulheres com os cabelos desgrenhados encrespam os maridos que quiseram dar aquele triste passo! Mas, bem considerando as coisas, a culpa disso é de terem ouvido falar que na América se trabalha pouco e se vestem com roupas de seda!

No alto da escada de embarque, as autoridades pedem o passaporte com o nada obsta, o qual estando em dia, possibilita viajar e, se não, conforme as exigências da lei, não o permite. Neste caso, o indivíduo e sua família devem permanecer em terra. Não havendo dinheiro para retornar à terra natal, serão recambiados às custas do município de sua localidade.

Finalmente, apinhados como anchovas em barril, acomodam-se em beliches que lhes são assinalados, em lugar úmido, escuro, com cheiro tão nauseabundo que provoca nojo e horror. Coisa incrível se não fosse verdade. Uma viagem dessas, para as crianças e os idosos, era muito prejudicial.

Aquele que ler estas páginas talvez considere pessimismo excessivo, mas, posso garantir, é a pura verdade.

O último apito dá o sinal de partida. As laterais do vapor agitam-se. São levantadas as âncoras e a hélice inicia seu tac-tac, movimentando a grande mole. Ao afastar-se do cais, observa-se uma demonstração popular dos que ficam, augurando boa viagem, os lenços brancos se agitando como pássaros batendo asas.

O vapor passa diante do farol, de onde são emitidos os sinais pertinentes. Agora é preciso retroceder um pouco e informar o leitor de que os vapores que transportavam os emigrantes não eram todos da marinha mercante italiana, mas, a maior parte, de nacionalidade estrangeira, especialmente francesa, austríaca, alemã, inglesa. ...

A Itália, naquele tempo, tinha pouquíssimos navios de longo curso.

Quem escreve teve a desventura de embarcar no navio de nome Poitou, de triste memória e, como se pode ver por seu famoso nome, era francês, bem como o comandante e também a tripulação. Deveras, nossos amados irmãos franceses têm-nos sempre amados a nós italianos como pedrinhas nos sapatos, continuamente, nos dirigindo nomes ignóbeis e humilhantes: vadios, molengas, poltrões! Os passageiros engoliam os maus tratos e calavam.

O alimento insuficiente e mal conservado era mais do que repugnante: aquele pó de café abominável, a água turva. A carne (à época, não existiam frigoríficos) em grande parte deteriorada e fedorenta.
A água intragável era conservada num caixão de chumbo, de modo que estava impregnada com aquele metal e não se a tomava a copos, mas com canudinhos de chumbo.

Coisa nauseabunda! Desse modo, a maioria, para não sugar as imundícies existentes no recipiente, colocava o lenço para servir de filtro. Se não fosse verdade, pareceria impossível.

Muita sede sofria inúmeros emigrantes por se recusarem a sorver aquele caldo asqueroso. Cada chefe de família tinha a listinha de alimentos e bebidas que seriam servidos durante a travessia, e o cumprimento do cardápio era constantemente reclamado.

Reclamar servia para indispor cada vez mais o comandante que, também, como bom amigo dos italianos, deixou escapar amiúde, em seu idioma gálico: Frippon italiennes-ladrões italianos.

Pouco depois de levantadas as âncoras e, talvez, a uma dezena de quilômetros, começou o mal do mar para as pessoas mais fracas, com vômitos e vertigens. Maridos semi desesperados acudiam as mulheres e seus “filhotinhos”.

Não se recebia conforto de ninguém; pelo contrário, os marinheiros, em vez de mostrarem compaixão, riam às gargalhadas e, contudo, os passageiros, pagavam por seu transporte: eram europeus como eles.
O que teria acontecido naqueles navios, quando existia o tráfico de negros, amontoados, acorrentados, sem poderem se mover no porão do barco, com pouco alimento e sem qualquer socorro? Nem é bom lembrar de coisas semelhantes!

No momento, quem atravessa o oceano, na classe mais humilde, em comparação com eles, faz excursão de prazer e, mesmo assim, ressente-se e reclama, embora não tenha muita razão.

O farol de Gênova, talvez o veterano dos faróis, à passagem dos vapores que se dirigem ao outro lado do oceano, parece empalidecer seu brilho. Chora e diz a si mesmo, como Dante: E se não chorais, por que chorar sozinhos?


Ver abandonar o solo pátrio, muitas esperanças da terra natal, para se deslocarem a desconhecidos portos...

Se o farol, com suas brilhantes chamas pudesse falar, teria dito: voltai para trás, meus filhos; no estrangeiro não sereis mais italianos; quem perde a Pátria, perde tudo. Deus, pátria e família. No estrangeiro, são diferentes estes termos.

Bendito aquele que, embora na miséria, pode fechar os olhos a seus genitores e a si mesmo onde nasceu onde foi batizado e onde, talvez, por centenas de anos seu ancestral sepultado desejariam incluí-lo entre os membros de sua família.

O mar estava mais tempestuoso do que calmo. O famoso Poitou, depois de ter perdido de vista o farol de Gênova e recordar os sábios conselhos do mesmo, entra no perigoso Golfo Lionês e
"Maridos semi desesperados acudiam as mulheres e seus "filhotinhos"
abriga-se num ancoradouro e encalha na vizinhança de Marselha, de onde se vê o Santuário de Nossa Senhora da Guarda.

Sempre abrigados, devido ao frio de 1º de Novembro, os míseros passageiros, a maior parte católicos fanáticos, recitam preces para impetrar à Mãe dos navegantes misericordioso socorro.

Para sair daquele pontão onda esta preso o Poitou, é preciso lançar ao mar grande quantidade de barras de ferro, a fim de fazer água e ficar em condições de continuar a viagem. Que noites e que dias aqueles! Ao menos tivesse o emigrante alguém que o compreendesse. Os franceses escarneciam de nós!

Levantadas as duas âncoras, continua-se lentamente costeando o litoral francês, e a seguir, o espanhol.

Chegando a Barcelona, o vapor atraca: parada de 12 horas. E, Barcelona encontra-se a monumental estátua de Cristóvão Colombo. Para os viajantes que sofriam do mal do mar e o desgosto de terem abandonado a Pátria, melhor seria que jamais tivesse existido o nome do descobridor do Novo Mundo.

Continuando viagem, passa-se pela coluna de Hércules Gibraltar, nome do árabe conquistador da Península Ibérica Gibra-Tárique, monte de Tárique.

Quando o vapor entra no Oceano Atlântico, o olhar volta-se para nordeste, onde está a terra natal Adeus Itália e para sempre! Que nó de garganta! Suspiros, imprecações e... Boa companhia Viva a América que não se conhece e não se sabe onde seja.

Prosseguindo viagem, as Ilhas Canárias: adiante, os peixes-voadores; os famosos golfinhos quase abalroam o navio. Os emigrantes, mais que apavorados, tremem de tudo e de todos. Certa noite, arma-se uma tormenta de verdade.

Então, pavor indescritível: rosários, ladainhas e misereres para acalmar a ira divina. Avante! Quanta ignorância! Poderão, por acaso, um rosário e uma prece acalmar o espetáculo comandado pelo Autor da natureza? Nunca!

Com a costumeira tranqüilidade, transpõe-se o Equador. O mar parece uma bacia de óleo e, inicialmente, chega de fato o momento de verem-se as famosas montanhas do Cabo Frio Brasil! Alguns que se destinam a Buenos Aires gritam: estamos na Argentina! Pobres iludidos! Daqui precisavam de ainda oito dias para chegar à capital platina, para onde serão encaminhados.

Quando em viagem se vê terra, a alma transforma-se em corpo: alegra-se, entusiasma-se. As montanhas de Cabo Frio não oferecem, ao viajante que vem da Europa, aquelas ilusões desejadas. Meio selvagens, não, porém sem qualquer atrativo.

Merecem admiração sim, tão logo se entra na Baía do Rio de Janeiro, lugar onde o cronista que escreve estas linhas, se fosse um antigo deus mitológico, quereria instalar seu paraíso. Também ao emigrante europeu faz pulsar no coração uma onda de simpatia e encanto.

À esquerda, a grande sentinela do Brasil meridional, o famoso Pão-de-Açúcar: áspero, nu, mas vigia avançada e colossal do grande, imenso e rico território brasileiro. As admiráveis ilhas colocadas como chapéus microscópicos sobre as lagoas fluminenses, dão alegria mesmo aos sisudos e cansados viajantes.
Tais ilhas, melhor dizer ilhas de Calipso, aonde os deuses do Olimpo vinham passar seus idílios, maravilha quem as contempla.

E a cidade do Rio de Janeiro? Estrela caída do céu estremece toda a alma que ama o belo. Basta! A Junta para a Emigração fica perto do Rio de Janeiro, na Ilha das Flores, paraíso terrestre ondeo venerando e de sempre respeitável memória Dom Pedro II dignava-se visitar os imigrantes e que, especialmente para com os italianos, manifestava cordial atenção e afeto.

Quem escreve falou com o memorável monarca e teve a honra de apertar-lhe respeitosamente a mão.
Do Rio de Janeiro, naquele tempo, ia-se por mar a Santos. Os plantadores santistas que precisam de braços para as plantações e colheita do café esforçam-se para que os emigrantes italianos ou de outras nações permaneçam em São Paulo.

Por isso, os emigrantes, sem seu consentimento, são obrigados a ir de Santos a São Paulo, com a promessa de que oportunamente serão conduzidos a seu destino. Mentiras!

Em São Paulo, são pessimamente instalados no casario do Bom Retiro hoje vistoso bairro da cidade, mas, àquela época, de condições insalubres, devidos às águas pantanosas do rio Tietê. Assim pressionados, os emigrantes têm de pensar em suas casas.

Após período em São Paulo, e de diversas reclamações ao Consulado, são finalmente enviados ao Rio Grande, seu destino original. Dessa forma, a 27 de novembro foi permitido embarcarmos para o Rio Grande. ...Do alto da serra, aquele maravilhoso percurso ferroviário representa um tempo de descanso.

Então bananas, cachaça, abacaxis, espigas de milho, raízes de aipim, batatas-doces. E outros bens de Deus, cada um compra satisfeitíssimo, sabendo que em breve estarão no Rio Grande, meta de suas aspirações.

Santos é uma cidade monótona, se assim se pode chamar um aglomerado de meias-águas, com os canais salgados, que na maré vazante, deixa descoberto um lodo fedorento.
A maior parte dos emigrantes, um pouco alegres devido aos tragos de cachaça e por verem-se em boa hora encaminhados a seu destino, canta unissonamente as belas canções camponesas da Itália...

O famoso trem chega à estação de Santos, porém, não esquecendo a ponte suspensa, os terrenos paludosos e os milhares de corvos em busca de alimentos, para eles saborosos: carniças de bois, vacas, cavalos...

Após dias perambulando por Santos, enfim chega à famosa geringonça Itapuã. Poucas horas depois se podem dar adeus àquela cidade, então antipática, onde continuamente a negrada nos apupava com os pouco honrosos nomes de carcamanos, gringos, ladrões, e outras boas companhias.

Que humilhação para os coitados imigrantes que já não tinham pátria e esperavam ser tratados, pelo menos, com um pouco de consideração, como exige a humanidade...


(Continuação)

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Antonio Severini, Agosto 2007

antonio@importacaoexportacaoestudoemcasa.com

www.importacaoexportacaoestudoemcasa.com

Saúde, Paz e Felicidades a Todos Nós


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