sábado, 30 de abril de 2011

11 - Da Itália ao Brasil - Borgia, Calabria (Itália) - o Berço dos Severini's


A BELA ITÁLIA

        Borgia, Calabria (Itália) - o Berço dos Severini's

A cidade foi fundada em 1547 pelo Príncipe de Squillace G. B. Borgia, tendo sido integralmente reconstruída após o terremoto de 1783 que destruiu quase todas as cidades da Calábria e matou mais de 30 mil pessoas.
Borgia é uma bela cidadezinha da Província de Catanzaro, cujo núcleo administrativo conta com 7.300 habitantes. Localizada a 341 metros acima do nível do mar, Borgia extende-se desde a zona Precollinare até o Mar Iônico.

Igreja de Borgia
A região da Calábria está localizada ao extremo sul da Itália ("a sola da bota") e inclui as Províncias de Catanzaro, Cosenza e Reggio di Calabria. A cidade de Catanzaro é a capital. O extremo sul da região está separado da Sicilia pelo extreito de Messina.

A cadeia montanhosa dos Apeninos cobre toda a Calábria, exceto pela região costeira. Trigo, frutas cítricas, figos, batatas e oliva são produzidos na região. Adicionalmente a criação de gado, pesca e indústria madereira constituem outras importantes fontes econômicas para a região.


ITÁLIA e BRASIL

Durante os tempos mais remotos a região da Calábria era chamada de Bruttium. O nome moderno Calábria foi adotado apenas na idade média.
Os gregos estabeleceram-se na costa já nos séculos VI e V a.c. Cidades como Sybaris, Crotona e Locri eram naquela época incluídas como centros importantes da Magna Graecia. Conquistada pelos romanos durante o século III a.c., a região nunca mais recuperou sua relevância e prosperidade.
Seus habitantes foram levados para o interior da região em função da malária, durante o início da idade média. Conquistada pelos normandos no século XI a Calábria fez então parte do Reino das Duas Sicílias.
Borgia de Nossos Dias
http://youtu.be/lvL51b2eD-Q - Video da Cidade de Borgia
Borgia – Piccola Grande Itália


O ENSAIO é uma busca de sentimentos perdidos: partindo de uma apresentação histórica de uma Itália recém-unificada, sob o espectro ameaçador da falta de trabalho e a correspondente situação de um Brasil pós-escravagismo, necessitado de mão-de-obra, o foco desse estudo é considerar os estados de alma dos imigrantes e acompanhar as dramáticas peripécias de suas transmigrações.

Borgia 2010
Reconhecendo a importância da música para constelar sentimentos coletivos e expressá-los, o autor interpreta trechos de ópera de Verdi e também, em clave subjetiva, cartões-postais familiares, trocados entre membros separados de uma mesma família partida, discernindo conflitos afetivos que vieram a contribuir para a formação do grande amálgama anímico brasileiro.



Genova fim do seculo XIX

"A Itália é indescriptível. Não é apenas o país mais belo do mundo; é qualquer coisa fora e acima deste mundo, assim mais ou menos pendurada a meio caminho entre o céu e a terra [...] a gente italiana é, entre todas, a mais bonita e a mais simpática, a mais humana de todas, a mais alegre."
(João Guimarães Rosa, Carta aos pais. Paris, 3.9.1950).




ITÁLIA

A partir da invasão napoleônica da península, começa a tomar corpo um revoltado sentimento nacional entre os italianos.

Como é sabido, até a unificação, realizada por Garibaldi em 1870, a maior parte da península estava ocupada por militares do vizinho império austríaco, que, entre outras intromissões políticas, econômicas e culturais, erguiam odiosas barreiras alfandegárias para controle do tráfico de pessoas e mercadorias entre as várias províncias.

A polícia, a magistratura, o fisco e os órgãos de censura à produção cultural considerada subversiva eram prerrogativas austríacas que tiranicamente importunavam a vida diária dos habitantes das províncias do Vêneto, da Lombardia, de Piemonte e outras regiões setentrionais.

A cidade de Roma e a Úmbria eram controladas pelo Vaticano, a Sicília, pela dinastia Bourbon, tendo Parma e seu entorno sido transformados em um ducado austríaco diretamente administrado por Viena.

Quer dizer, a Itália estava toda dividida e ocupada por forças estrangeiras de ocupação. Os habitantes rurais dessas regiões caracterizavam-se por um forte apego emocional ao solo, ao vilarejo, à pequena propriedade da qual provinha seu parco sustento, à família e vizinhança, aos laços sociais de todos os tipos, à tradição local.

Mas a situação política vigente dificultava sua identificação nacional com o vizinho de outra região, com seus vários dialetos, porque para deslocar-se de uma a outra era preciso passar por uma alfândega e exibir passaporte.

A Itália não era um país, não era uma nação, mas um mosaico cheio de cercas, composto por oitenta portentosas cidades-Estado autônomas, muitas delas herdeiras de um esplendoroso apogeu renascentista. Uma linda terra, mas não um país. É no decorrer do século XIX que pouco a pouco vai sendo tecido um genuíno sentimento nacional.

Detecta-se, logo de início, o surgimento da incômoda vergonha de serem os italianos um povo controlado por uma potência estrangeira invasora. Os descendentes das antigas glórias do Império Romano e do Renascimento não conseguiam engolir essa depressiva humilhação.

Não havia movimentos políticos organizados na primeira metade do século e a censura austríaca vetava a divulgação de idéias ou de obras que excitassem esse sentimento.

Na época em que compunha Rigoletto, em 1850, Giuseppe Verdi, para citar só um exemplo, teve que se submeter ao veto imposto ao roteiro de seu libretista Francesco Piave, por terem os censores detectado uma disfarçada crítica aos regentes vienenses (Castellani, 1986).

Ao lado da crescente fermentação política, irá gradualmente se infiltrando e estruturando um sentimento novo e vigoroso, que desempenhava a função de compensar as prevalecentes sensações de dominação, humilhação e inferioridade.

Esse sentimento irá se fortalecendo no decorrer da segunda metade do século XIX até explodir numa paixão desenfreada e maníaca de amor pela pátria recém-unificada. No exato momento em que Garibaldi avança para o norte com suas tropas e começa a combater e expulsar o exército austríaco, os italianos já estavam sentimental e psicologicamente preparados para expressar uma idéia de pátria.

Caberia aqui pensar se o patriotismo não poderia ser compreendido, no plano psicológico, como uma forma coletivamente organizada de manifestação do Self coletivo, no sentido que Jung deu a esse termo (cf. Jung, 1969-1970b, cap.4, "The Self").

Nos estudos contemporâneos, esse tema escapou da área dos psicólogos, como se não fosse assunto digno de nossa atenção.

Mas, se pensarmos, veremos que o fortalecimento e a declaração orgulhosa do amor pela pátria acaba sendo um eixo de estruturação da personalidade e dos afetos e era isso que os italianos estavam procurando nas últimas décadas do século XIX, porque, enquanto essa certeza emocional e ideológica não se instalasse, eles se sentiam fracos e desorientados, a ponto de serem invadidos e dominados sem efetiva resistência.

Quem acompanhar a vida de Giuseppe Verdi, o grande compositor, perceberá como sua trajetória humana, e mesmo o trabalho de composição de suas obras, serve de escala para se medir o grau de evolução da consciência do sentimento nacional (ibidem). Voltaremos mais adiante ao grande maestro.

Mesmo uma passagem rápida pelos compêndios modernos de história italiana no século XIX detecta o avanço, no plano político, das forças de união e integração, de superação de divisões regionais desagregadoras.

O amadurecimento do sentimento nacional corresponde a uma reestruturação psicológica que perpassa a sociedade de ponta a ponta. A bem da verdade, a vontade de irmanar-se a conterrâneos, o desejo fraternalmente compartilhado de pertencer a algo grande e nobilizado, o orgulho italiano, enfim, cresce como curva ascendente até 1870, momento da unificação garibaldina.

A partir daí, porém, quando explode e rapidamente esvanece o fogo de artifício de felicidade delirante diante de uma pátria liberada e reencontrada, imediatamente a curva entra em sua rota descendente.

Como dolorosa contrapartida, a unificação trouxe novos problemas para a Itália, um deles, talvez o de mais profundas conseqüências, sendo a penetração do capitalismo no campo, com o conseqüente acirramento das diferenças entre o Norte rico e o Sul pobre.

A Itália tem sido estruturalmente marcada por um antagonismo entre esses dois pólos, assim como ocorre no Brasil entre o Nordeste pauperizado e o Sul-Sudeste desenvolvido. As projeções de inferioridade grupal geográfica que ocorrem tanto na Itália como no Brasil são de fato muito parecidas.

Os meridionais sicilianos, calabreses ou napolitanos são vistos pelos altivos milaneses, turineses ou venezianos como inferiores, menos capacitados intelectual e profissionalmente, na verdade como portadores exclusivos da sombra nacional, assim como no Brasil os habitantes do Sul-Sudeste projetam sobre os nordestinos as qualidades negativas do brasileiro em geral, atribuindo seu atraso econômico à incapacidade histórica para o trabalho e a organização etc. etc.

Na Itália, esse fenômeno psicossocial é sintoma de dissociação crônica, que perdura mesmo estando o país hoje integrado à Comunidade Européia.
Eis o drama: depois de séculos, uma sociedade culturalmente coesa, porém política e economicamente dividida, finalmente é unificada; mas no momento em que se une num plano, acirra-se a cisão em outro.


Menino de Napoli
A penetração do capitalismo no campo, se, de um lado, o dinamizou, criando novas formas de produção e de divisão de classes, de outro, gerou empobrecimento dos que apenas tinham a força de trabalho para vender, seguida pela melancólica desagregação dos modos de vida tradicionais de que a emigração é o amargo fruto.

Porém a questão é mais complexa do que parece e há estudos contemporâneos como a vasta pesquisa histórico-sociológica de José de Souza Martins (1973, 1979a, 1979b, 2003) que lançam luzes sobre um modelo de compreensão do fenômeno migratório, que acabou por estereotipar-se.


Em vista do alcance das questões levantadas por Martins e dos propósitos mais focalizados do presente ensaio sobre a temática dos sentimentos, restrinjo-me a citar uma das análises exemplares desse sociólogo, com sua visão sobre a natureza do processo de transição do regime de trabalho escravo para o de trabalho assalariado, extraído de um de seus livros, O cativeiro da terra:


As mudanças ocorridas com a abolição da escravatura não representaram, pois, mera transformação na condição jurídica do trabalhador; elas implicaram uma transformação do próprio trabalhador. Sem isso não seria possível passar da coerção predominantemente física do trabalhador para a sua coerção predominantemente ideológica.

Enquanto o trabalho escravo se baseava na vontade do senhor, o trabalho livre teria que se basear na vontade do trabalhador, na aceitação de legitimidade da exploração do trabalho pelo capital, pois se o primeiro assumia previamente a forma de capital e de renda capitalizada, o segundo assumiria a forma de força de trabalho estranha e contraposta ao capital.

Rua de Genova fim do seculo XIX
Por essas razões, a questão abolicionista foi conduzida em termos da substituição do trabalho escravo pelo trabalhador livre, isto é, no caso das fazendas paulistas, em termos de substituição física do negro pelo imigrante.

O resultado não foi apenas a transformação do trabalho, mas também a substituição do trabalhador. (Martins, 1979b)
Assim também, Constantino Ianni (1972), em obra que busca detectar aspectos que escaparam às análises tradicionais, baseado em estudos da movimentação financeira de grandes bancos italianos como o Banco de Nápoles, expõe a dimensão dramática e menos perceptível da imigração como se essa fosse apenas o produto da desagregação de um antigo modo de vida que se tornou inviável.

Em resumo, Ianni modificou a compreensão convencional do tema ao apontar três aspectos fundamentais:

1) Uma parcela expressiva dos emigrantes passou por um verdadeiro processo de aliciamento, falsas promessas e informações inverídicas, dando-se conta, ao instalar-se na nova sociedade, da dureza e das desvantagens que os aguardavam  razão pela qual muitos voltaram atrás.

2) Em que pesem o elemento melancólico e o sentimentalismo patriótico da "expulsão" do excedente de mão-de-obra, Ianni demonstra a existência de outros interesses econômicos de enorme vulto (desvalorização da mão-de-obra rural, da produção agrária e da propriedade fundiária), posto que o grande alvo da nova economia era a capitalização, a concentração de renda, a industrialização, a formação de um proletariado e o pacto Indústria/Bancos.

3) O estudo de Constantino Ianni revela a poderosa informação de que o capitalismo italiano foi financiado pelo dinheiro remetido do exterior para os bancos italianos pelos emigrados, que trabalharam sob condições ainda mais árduas do que as que enfrentavam na terra natal.

(Venditore di Frutta) Fruttaiulo
O campesinato italiano tem séculos de tradição; era, no final do século XIX, a base da sociedade, sobre a qual se assentava a superestrutura ideológico-cultural, do direito à religião, da mentalidade aos sentimentos, da fantasia ao folclore.

Terra e inconsciente coletivo associados sem fricção. O modo de produção pré-capitalista estabelecera na Itália um modo típico de ser italiano.

Ora, a partir de 1860 ou 1870, no alvorecer da revolução industrial e política na Europa, as transformações correm rápidas: os capitais começam a se concentrar, gradualmente novas tecnologias são introduzidas, a mão-de-obra já não encontra mais alocação remunerada, os impostos sobem, a divisão da terra em decorrência de processos hereditários passa a tornar a pequena propriedade improdutiva.

Chega-se a um ponto, lá por 1880, em que cresce desproporcionalmente o número de famílias sem condições de subsistir, porque já não dá mais para funcionar como outrora, ou seja, cultivar lavouras de trigo, uva, azeitona, arroz, milho como faziam os avós e vender aquela produção localmente para manter a família.

Venditore di Zeppole
O preço dos gêneros alimentícios cai, os impostos se multiplicam, os quinhões de terra são reduzidos, finalmente surgindo o ameaçador espectro da falta de trabalho e da miséria.

Dito de outro modo, o avanço da miséria na Itália paradoxalmente acompanha a concentração de capitais, as inovações tecnológicas, as novas relações internacionais e a pungente intensificação do sentimento nacional.

O país acaba de se descobrir, os fogos de artifício mal iluminaram a cúpula do Duomo de Milão, recém-içada foi a bandeira tricolor e arriada a austríaca, e a fome e a depressão rapidamente começam a se espalhar.

Que efeito gerará esse paradoxo sociológico? A massa rural procurará vender trabalho em outras praças de início, como se sabe, na construção de obras faraônicas, como a abertura do canal de Suez, ou na construção de estradas de ferro na Inglaterra, na Escócia, na Alemanha e na França. Mas as distâncias não tardarão a se ampliar.

Carroça - Carrettire                                  
Todo um contingente de mão-de-obra rapidamente passará a se deslocar por quilometragens nunca dantes imaginadas: até o Egito, por exemplo, para em seguida retornar à terrinha com algum dinheiro no bolso e de novo partir, numa onda humana de movimento incontido que vai crescendo até firmar-se como emigração sem volta.

Tanto se sonhou, tanto se esperou pela aurora dessa pátria desejada... ela surge, à sua moda, mas ela não segura no colo, não aquece, não dá segurança, não alivia a ansiedade, não protege, não abriga indistintamente aos que têm e aos que quase já não têm mais nada.

Surgirá naturalmente quem nesse êxodo encontre bom proveito, com esse nome: as companhias de imigração responsáveis pela propaganda, pelo aliciamento, pelo translado e pela contratação de trabalho em terras longínquas. No Brasil, que ocupará nossa atenção logo a seguir, também é fundada uma organização similar para arrebanhar imigrantes.

Até 1902, o governo italiano literalmente fecha os olhos para o que viesse a acontecer com seus súditos desfavorecidos além das fronteiras. Que sentimento há de ter alguém que trabalhou a terra até o limite de suas forças e que, na hora de partir com a trouxa nas costas, só encontra frieza, abandono e formulários? Aí os corações começam a partir. E a primeira partição ocorre exatamente no porto de Gênova.

A Itália querida não dirá adeus a quem embarcar no cais. Depois de 1902, instala-se uma celeuma nos jornais, alegando-se com razão que os imigrantes estão sendo maltratados no Brasil, que são acometidos por malária, que trabalham num regime de semi-escravidão.

Pescatore
Uma agitação no Congresso nacional dá lugar à criação de uma comissão que se desloca até o Brasil para investigar as condições reais a que são submetidos os embarcados pelas companhias de imigração, de que resulta um relatório minucioso e a aprovação de uma lei que estanca a imigração em 1902.

Mas logo em seguida a lei vira letra morta, e os interesses econômicos multilaterais (governo italiano, governo brasileiro, bancos e agências de capitalização) novamente promovem os embarques em massa nos navios que deixam o porto de Gênova

DA ITÁLIA AO BRASIL (12)  Borgia, Calabria (Itália) - o Berço dos Severini

   (Continuação)   
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Antonio Severini, Agosto 2007




Saúde, Paz e Felicidades a Todos Nós




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